Apaixonaram-se com a primeira troca de olhares numa idade em que a vida ainda não os tinha ensinado a demonstrarem os sentimentos e a jogarem com as atitudes.
Partilharam o primeiro beijo de ambos e viveram em levitação sem sentirem necessidade de conversas profundas. Olharem-se e saberem que se reencontrariam no final do dia, depois da escola, parecia-lhes suficiente.
Amando-se nunca pronunciaram a palavra amo-te, preferiam timidamente dizer “gosto de ti”.
Se lhes perguntassem o que esperavam daquele amor, não saberiam responder. O presente bastava-lhes.
Não falaram sobre o arrufo que os separou. Ele, teve vergonha de admitir que sentira ciúmes do amigo com quem a encontrara à conversa num intervalo. Ela, era demasiado ingénua para entender, sem palavras, que a reacção brusca dele se devia a um sentimento exacerbado. Quando, no dia seguinte ele se aproximou fingindo que nada sucedera, ela ostentou-lhe indiferença, por achar que devia ser assim e não porque a sentisse.
Continuaram a ir com os amigos ao cinema, sentavam-se ao lado um do outro, mas não voltaram a dar as mãos durante o filme.
Ela, por orgulho não falava, ele ficava em silêncio por não ter coragem para dizer-lhe.
Um dia ela teve de deixar a cidade. Foi por terceiros que soube do casamento, dos desaires profissionais e do divórcio dele. Mas nunca, durante todos esses anos, deixou de pensar nele ou esqueceu a sua data de aniversário.
Hoje, quando subia o Chiado, chocou com ele. Olharam-se nos olhos e sentiram-se almas gémeas. Ela, não reparou que estava mais gordo e que os cabelos começavam a embranquecer. Ele, achou-a linda e soube que seria capaz de amá-la de novo. Falaram de banalidades por não saberem do que conversar.
Na despedida ele disse-lhe: - Sabes… naquele dia… Quando disse que merecias uma bofetada , não estava a falar a sério… Tive ciúmes…
-Eu sei… - respondeu-lhe.
Ele seguiu apressado em direcção ao Metro. Ela foi para a FNAC onde o marido a esperava.