sábado, 1 de agosto de 2009

Mau Feitio

Gosto de pessoas com mau feitio. Dessas que nos olham nos olhos e nos dizem o que verdadeiramente pensam e sentem.
Cansam-me as palavras diplomáticas, os sorrisos feitos de plástico e as atitudes de circunstância que nos obrigam a tentar descobrir o seu real significado.
Não me assustam as discussões, com lágrimas à mistura, em que nada fica por dizer.
Sei que normalmente quem tem mau feitio também tem mais afecto para dar. E, por não ter medo de dizer, também não se sente fraco ao perdoar.
Aprendi a sorrir sem ter vontade, a fingir a simpatia que não sinto e a demonstrar interesse por assuntos que me são indiferentes. Mas a verdade é que estou cansada do papel de actriz, nesta peça de teatro que vou escrevendo diariamente.

E, nesta solidão partilhada em que transformei a minha vida, sinto falta da sinceridade mesmo que isso implique, de vez em quando, uma discussão genuína, dessas que terminam com um forte abraço quando não resta mais nada para dizer ou perdoar.

Hoje, apeteceu-me reler Vinicius de Moraes e com ele dizer:
“Procura-se um amigo!
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.”