segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Encruzilhada


Na sua frente duas estradas.
Uma moderna, onde não faltam semáforos, passeios bem cuidados para os peões e algumas árvores. Em suma, uma estrada igual à que tem calcorreado nos últimos anos. Segura, mas monótona, com os mesmos bancos onde amiúde se esconde para, com a cabeça entre as mão, verter as lágrimas da angústia de quem palmilhando caminhos tão aprazíveis não sente prazer ou alegria. Já percorreu quilómetros e mais quilómetros sem nunca sentir que aquela era a sua estrada, algures lá atrás, nem sabe bem onde, deixou ficar perdida uma amiga chamada Felicidade.
É certo que tem encontrado alguns recantos bonitos com fontes de água fresca e jardins floridos...
Do outro lado uma estrada que desconhece, apenas lhe vê o início... Circundada por árvores frondosas que quase não deixam ver os campos que a ladeiam salpicados por flores campestres. O piso não é tão cuidado como o da outra, mas tem o encanto do diferente. Sentada numa pedra vislumbra o que parece ser a sua amiga Felicidade, será mesmo ela? Nada mais consegue espreitar...tudo o resto é incógnita.
Sente uma vontade louca de escolher de imediato aquele trajecto...Mas tem receio. O que está para lá do que não consegue ver? Aquela pessoa que vislumbrou será mesmo a amiga há tanto perdida? Conseguirá ali encontrar iguais fontes de água fresca? Aqueles caminhos não serão frequentados por malfeitores?
Sabe que optar por uma significa perder a outra. Não sabe que fazer...Por um lado receia afastar-se daquele trilho entediante mas seguro que conhece ao pormenor, por outro necessita imperiosamente de voltar a sentir que ainda está vivo. Tem consciência de que, se demorar muito a sua escolha, as pernas ficarão demasiado velhas e pesadas e recusar-se-ão a levá-lo para outros locais.
De um lado os vizinhos, amigos e conhecidos acenam-lhe enquanto gritam "continua connosco", do outro sorridente lá está, (será?), a Felicidade....
Só então percebe que chegou a hora de deixar de fazer o que os outros esperam que faça. Sempre pautou a sua vida pelo correcto, sempre praticou o certo para a sociedade. E por si? Alguma vez fez algo verdadeiramente importante, só por si, sem pensar em mais ninguém? Chegara a hora de ser egoísta caminharia em busca dessa miragem real, procuraria essa Felicidade, sentia a falta dos seus braços macios e da boca com sabor a morango.
Afinal o que tinha a perder? No pior dos cenários a nova estrada também teria certamente um recanto onde, sentado, pudesse esconder-se com a cabeça entre as mãos e verter lágrimas de angústia.

sábado, 1 de agosto de 2009

Mau Feitio

Gosto de pessoas com mau feitio. Dessas que nos olham nos olhos e nos dizem o que verdadeiramente pensam e sentem.
Cansam-me as palavras diplomáticas, os sorrisos feitos de plástico e as atitudes de circunstância que nos obrigam a tentar descobrir o seu real significado.
Não me assustam as discussões, com lágrimas à mistura, em que nada fica por dizer.
Sei que normalmente quem tem mau feitio também tem mais afecto para dar. E, por não ter medo de dizer, também não se sente fraco ao perdoar.
Aprendi a sorrir sem ter vontade, a fingir a simpatia que não sinto e a demonstrar interesse por assuntos que me são indiferentes. Mas a verdade é que estou cansada do papel de actriz, nesta peça de teatro que vou escrevendo diariamente.

E, nesta solidão partilhada em que transformei a minha vida, sinto falta da sinceridade mesmo que isso implique, de vez em quando, uma discussão genuína, dessas que terminam com um forte abraço quando não resta mais nada para dizer ou perdoar.

Hoje, apeteceu-me reler Vinicius de Moraes e com ele dizer:
“Procura-se um amigo!
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.”

domingo, 28 de junho de 2009

À Deriva




Calei a minha boca com a mordaça das palavras que não me apetece pronunciar.

Coloco todo o algodão que consigo juntar, em redor do meu coração. Assim não sinto. Não sou feliz mas também não sofro.

Mergulho no trabalho até à exaustão. Um cérebro cansado fica anestesiado.

E sigo em fente!

Reaprendo a gostar dos raios de Sol e da brisa que me desmancha o cabelo, enquanto caminho junto ao mar.

Ando por aqui. Sigo por ali e sei que um dia hei-de encontrar um caminho. Mas tem de ser um caminho simples, sem sobressaltos ou grandes fantasias. Não tenho pressa de o encontrar.


Resignei-me!

sábado, 13 de junho de 2009

Voltei

Voltei, apenas para vos dizer que ainda estou por aqui.
Desiludida, com vontade de desistir, mas de pé!
Precisei do silêncio e de conversar comigo. Tentei tomar decisões e acabei a acatar o que decidiram.
Estou sem rumo, mas conheço o caminho.
Quase perdi a voz, mas o silêncio também fala!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ao Jaime


Sempre que me lembro do Jaime vejo-o com a camisola de lã azul, tricotada à mão, que o acompanhou durante uma boa parte da adolescência. Recordo todos os pormenores do seu rosto cuja fealdade nós, as raparigas, ignorávamos ao fixar-lhe os olhos de um azul profundo e enfeitiçador.
O Jaime, apesar de mais velho, era o meu confidente, chorava com as minhas tristezas e vibrava com os meus triunfos. Devorava tudo o que eu escrevia, gravava músicas dos Eagles, que depois me emprestava em troca de uma conversa que habitualmente se prolongava durante horas. Falávamos de tudo, partilhávamos ideias, discutíamos opiniões para, no final, me deixar levar um caderno com as poesias que escrevia em segredo e que eu lia antes de adormecer. No grupo de teatro amador era ele quem convencia o encenador a dar-me um bom papel.
Sempre soube que o Jaime sentia por mim um amor de que não falava porque sabia não ser correspondido. Ele era assim, olhava-me e adivinhava o que eu sentia ou pensava. “- Através dos teus olhos consigo ler o que te vai na alma – dizia."
No aniversário dos meus quinze anos ofereceu-me um livro, “Últimos Cadernos” de Camus, que guardo entre os meus tesouros mais preciosos.
Mais tarde, seguimos caminhos distintos em cidades diferentes. Soube da sua morte, num acidente de automóvel, meses depois de ter ocorrido. Chorei por ele e pela perda da minha meninice inconsciente e ingénua.
Ainda hoje sinto uma saudade imensa do Jaime. Releio o livro que me ofereceu e, na minha ilusão, é como se voltássemos a estar juntos de novo retornados à nossa juventude.
Só agora me apercebo do quanto ele influenciou a minha maneira de ser e o meu modo de encarar o mundo, o Jaime era especial…

sábado, 31 de janeiro de 2009

Fernão




- VAI FERNÃO, VOA EM DIRECÇÃO AO AZUL, ATÉ ONDE A BRISA DO MAR TE LEVAR. QUEM NÃO PERSEGUE O AZUL NUNCA ALCANÇA OS SONHOS...


Despediu-se por sms com esta frase que ele julgou tirada de um livro.
Volvido tanto tempo ao perceber que as palavras são dela, e não de Richard Bach, já não sabe se afinal ela quis dizer-lhe adeus ou pedir-lhe para ficar…

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Almas Gémeas

Apaixonaram-se com a primeira troca de olhares numa idade em que a vida ainda não os tinha ensinado a demonstrarem os sentimentos e a jogarem com as atitudes.
Partilharam o primeiro beijo de ambos e viveram em levitação sem sentirem necessidade de conversas profundas. Olharem-se e saberem que se reencontrariam no final do dia, depois da escola, parecia-lhes suficiente.
Amando-se nunca pronunciaram a palavra amo-te, preferiam timidamente dizer “gosto de ti”.
Se lhes perguntassem o que esperavam daquele amor, não saberiam responder. O presente bastava-lhes.
Não falaram sobre o arrufo que os separou. Ele, teve vergonha de admitir que sentira ciúmes do amigo com quem a encontrara à conversa num intervalo. Ela, era demasiado ingénua para entender, sem palavras, que a reacção brusca dele se devia a um sentimento exacerbado. Quando, no dia seguinte ele se aproximou fingindo que nada sucedera, ela ostentou-lhe indiferença, por achar que devia ser assim e não porque a sentisse.
Continuaram a ir com os amigos ao cinema, sentavam-se ao lado um do outro, mas não voltaram a dar as mãos durante o filme.
Ela, por orgulho não falava, ele ficava em silêncio por não ter coragem para dizer-lhe.
Um dia ela teve de deixar a cidade. Foi por terceiros que soube do casamento, dos desaires profissionais e do divórcio dele. Mas nunca, durante todos esses anos, deixou de pensar nele ou esqueceu a sua data de aniversário.
Hoje, quando subia o Chiado, chocou com ele. Olharam-se nos olhos e sentiram-se almas gémeas. Ela, não reparou que estava mais gordo e que os cabelos começavam a embranquecer. Ele, achou-a linda e soube que seria capaz de amá-la de novo. Falaram de banalidades por não saberem do que conversar.
Na despedida ele disse-lhe: - Sabes… naquele dia… Quando disse que merecias uma bofetada , não estava a falar a sério… Tive ciúmes…
-Eu sei… - respondeu-lhe.
Ele seguiu apressado em direcção ao Metro. Ela foi para a FNAC onde o marido a esperava.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Resignação


Há dias em que um céu de chumbo desaba sobre nós. É então que o impossível acontece desfazendo as quimeras cuidadosamente moldadas em argila feita de ilusão e crença.
Os sonhos são pulverizados em pequeninas partículas que nem a esperança mais persistente conseguirá voltar a unir numa forma coerente. E, enquanto esse pó paira no ar, pedimos a um deus qualquer para fazer com que o tempo acelere o seu ritmo e mitigue a dor que nos aflige. Mas, os minutos pegajosos arrastam-se numa lentidão exasperante permitindo o pulsar constante dessa mágoa que queremos arredar para longe.
Procuramos refúgio no choro convulsivo interrompido pelos gritos mudos do que deveríamos ter dito. A chuva cai e o ribombar do trovão persegue a luminosidade do relâmpago, é a tempestade que se apodera da nossa vida.
Buscamos companhia e planeamos viagens, mas não há palavras de amigos ou distância que consigam aplacar o desespero que se instala.
Lá fora o mundo implacável continua a girar indiferente ao drama que nos tomou conta da alma. Todos seguem em frente, não param para nos deixarem consertar os sentimentos quebrados.
Impotente para mudar o que quer que seja, também sigo em frente, à deriva, até que a resignação chegue...