domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ao Jaime


Sempre que me lembro do Jaime vejo-o com a camisola de lã azul, tricotada à mão, que o acompanhou durante uma boa parte da adolescência. Recordo todos os pormenores do seu rosto cuja fealdade nós, as raparigas, ignorávamos ao fixar-lhe os olhos de um azul profundo e enfeitiçador.
O Jaime, apesar de mais velho, era o meu confidente, chorava com as minhas tristezas e vibrava com os meus triunfos. Devorava tudo o que eu escrevia, gravava músicas dos Eagles, que depois me emprestava em troca de uma conversa que habitualmente se prolongava durante horas. Falávamos de tudo, partilhávamos ideias, discutíamos opiniões para, no final, me deixar levar um caderno com as poesias que escrevia em segredo e que eu lia antes de adormecer. No grupo de teatro amador era ele quem convencia o encenador a dar-me um bom papel.
Sempre soube que o Jaime sentia por mim um amor de que não falava porque sabia não ser correspondido. Ele era assim, olhava-me e adivinhava o que eu sentia ou pensava. “- Através dos teus olhos consigo ler o que te vai na alma – dizia."
No aniversário dos meus quinze anos ofereceu-me um livro, “Últimos Cadernos” de Camus, que guardo entre os meus tesouros mais preciosos.
Mais tarde, seguimos caminhos distintos em cidades diferentes. Soube da sua morte, num acidente de automóvel, meses depois de ter ocorrido. Chorei por ele e pela perda da minha meninice inconsciente e ingénua.
Ainda hoje sinto uma saudade imensa do Jaime. Releio o livro que me ofereceu e, na minha ilusão, é como se voltássemos a estar juntos de novo retornados à nossa juventude.
Só agora me apercebo do quanto ele influenciou a minha maneira de ser e o meu modo de encarar o mundo, o Jaime era especial…

6 comentários:

A Palavra Mágica disse...

Cristina,

Às vezes me pego usando expressões ou gestos de pessoas que já passaram por mim. Algumas estão vivas, outras também, mas em outro lugar.
O Jaime viverá em você sempre e mesmo sem palavras que possam ser ouvidas vai te ajudar muito.
O que falo não tem nada a ver com espiritismo ou outras manifestações de misticismo. Falo de sentimento. Afinal de contas ele deixou um pouco ou muito dele em você. Como você fez o mesmo por ele.

Um beijo!
Alcides

P-S disse...

Nada acontece por acaso!

Flor disse...

Eu tive um jaime na minha vida, já não o tenho mas fico feliz porque o tem mesmo que nunca o/a tenha conhecido.

Luís Alvarenga disse...

Pelo conteúdo do texto e porque todos nós tivemos uma pessoa como o Jaime. Porque o teu texto me fez recordar um outro nome e um outro livro....
Um abraço.

Renascido disse...

Tina,
O Jaime era mesmo muito especial!
Bjo XXL

Wilke disse...

Tudo acontece por um motivo...